Ana Brito e Cunha, de 39 anos, 22 de carreira, tem um sorriso contagiante e uma alegria de viver incomensurável. Há cerca de um mês, a atriz abriu o livro da sua vida numa entrevista para o programa da SIC Alta Definição, onde contou que há três anos perdeu um bebé (fruto da relação já terminada com Miguel Carvalho) quando estava nos cinco meses de gestação, dado que o feto sofria de síndrome de Turner. Foi sobre este assunto incontornável, mas também sobre o seu percurso e a forma positiva como encara a vida, que conversámos com a atriz.
– Quando iniciou a sua carreira, não teria sido mais fácil usar o apelido da sua mãe, Espírito Santo, em vez do do seu pai?
Ana Brito e Cunha – Não, de todo. Havia muito preconceito…
– Dentro da família?
– Não, fora, no meio artístico. Dentro da família sempre foi muito bem recebido o facto de eu querer ser artista. No meio artístico havia a ideia das meninas betas que não precisam de trabalhar.
– E ainda há esse preconceito?
– Nem pensar. Cada vez mais as classes sociais estão perto umas das outras, e se calhar também ajuda o facto de eu já ter dado algumas provas de que escolhi a profissão onde deveria estar.
– E passadas duas décadas, qual é o balanço?
– É bom, com momentos altos, outros baixos, e a certeza de que escolhi a profissão certa.
– Ultimamente tem feito mais teatro do que televisão. É uma opção?
– Não, é o que surge. Não sei viver sem o teatro e tenho a sorte e a oportunidade de poder estar sempre em palco.
– O teatro é a sua grande paixão?
– Não sei fazer escolhas. É como se fosse a nossa ginástica, é a mobilidade do artista. Sinto-me uma atriz atual e adoro fazer tudo. Naturalmente, o artista pode estar mais apto para determinada área da representação e eu tenho a noção de que estou muito confortável no teatro, porque sou fisicamente expressiva.
– O ego de um ator insufla quase naturalmente. Já alguma vez se sentiu deslumbrada?
– Já, claro. Faz parte. Comecei muito nova, não tinha sequer 18 anos. É natural, encantamo-nos com a coisa. O que é giro é crescer e amadurecer. Sou uma apaixonada pelo lado sociológico e pelas relações entre as pessoas e não é segredo que faço um trabalho de terapia constante, porque acho que é importante, ajuda muito a trabalhar a caixa de ferramentas, a encontrar o nosso eu.
– E é fácil lidar com as camadas que se vão descobrindo?
– A mim diverte-me descobrir coisas novas, descobrir que afinal sou diferente. Para mim não existe aquela coisa de que as pessoas não mudam… Eu acredito que, se quiserem, mudam mesmo, e muito. Às vezes fico triste, tenho surpresas desagradáveis, mas faz parte.
– Essa introspeção ajuda-a a manter a serenidade nos momentos mais difíceis?
– Dá-me mais ferramentas para isso. A vida é feita de coisas boas e más. Costumo dizer que é bom o artista ter um louco dentro de si, porque se torna desbravado, arrisca. Esse louco também é alimentado nas dores, no sofrimento, pois é aí que o ser humano cresce. Ou não. Também se pode vitimizar para o resto da vida, ou querer crescer. As vitórias dão-nos garra para continuar, mas as dores fazem-nos olhar para as coisas de outra forma. Percebemos os sentimentos e as fragilidades que temos, se as queremos contornar ou não… São as chamadas dores do crescimento [risos].
– Calculo que a maior dor tenha sido a perda do seu bebé…
– Há dores incontornáveis… Não queria explorar muito este assunto. Já o contei da forma que quis, pela minha voz, e acho que tive a oportunidade de o fazer da forma mais certa. Uma coisa é o partilhar uma história que tantas outras mulheres vivem, outra coisa é partilhar a dor ou não que vivi. Essa é a minha e não a vou partilhar. Essa é o jardim secreto. Não deixo de partilhar as minhas alegrias e tristezas, umas maiores do que outras, mas o público não tem de saber tudo. Claro que há uma dor, é inevitável que assim seja, mas essa é minha. Há tantas dores difíceis na vida… Já falei o que tinha a falar sobre essa situação e sim, há dores incontornáveis, mas que também nos fazem crescer. Se calhar, mais cedo ou mais tarde entendemos o porquê delas na vida e isso é muito bom.
– Notou que a sua história tocou outras pessoas?
– Sim, tenho recebido muito carinho e o que me mais me toca são as mensagens que recebi de tantas mulheres… Isso não se paga… Percebi que também não estou sozinha nisto.
– Entretanto, a sua relação com o pai do bebé terminou. E agora, há uma mulher apaixonada ou totalmente focada no trabalho?
– Estou muito focada no trabalho, sinto-me numa viragem muito interessante a nível profissional. Sinto-me preparada para novos projetos e etapas que aí vêm.
– E que projetos são esses?
– O Shot de ValeriAna vai voltar à cena e isto para mim é um grande presente. Tem graça, porque este projeto surgiu antes da gravidez. Veio a gravidez, veio o drama, o Shot não avançou. Entretanto, fui atingida no pé [por um tiro (shot em inglês)acidental] e quando estava a recuperar disso a Valéria Carvalho entrou pela minha casa e disse: “É agora que vamos fazer o Shot, porque vais voltar a dançar.” O projeto já estava marinado e decidimos avançar. Agora, dois anos depois, vamos para o Teatro Villaret. Isto é espetacular. Valeu todo o nosso esforço e investimento. Vamos estar em palco em maio e junho, às terças-feiras. É uma grande honra e orgulho.
– Está quase a fazer 40 anos. Isso fá-la pensar em tudo o que já viveu e sentir que está na altura de ser mãe, ou há caminhos que nos levam a pensar de outra forma?
– Eu deixo correr a vida, gosto de ser surpreendida, embora às vezes isso seja assustador. Há planos que não sei fazer. Há um plano que eu sei, é que quero ser feliz, fazer os meus felizes e nunca deixar de trabalhar naquilo que eu mais gosto. Claro que quero constituir família, mas não vou planear nada disso. Sei lá se para o ano estou cá ou não, se tenho alguém ou não… Quero ser uma velhinha com família? Isso quero… Gostava que a vida me permitisse ser uma velhota a trabalhar, a dirigir espetáculos e com uma família criada por mim. Agora se chego lá, como ou quando, logo se vê.
– Essa leveza com que encara a vida é inata ou aprendeu-a?
– Foi crescendo, a terapia ajuda imenso nisso.
– A terapia surgiu por necessidade pessoal ou profissional?
– Ambas. Eu não sabia muito bem o que queria estudar e aos 18 surgiu a possibilidade de me profissionalizar e adorei. Quando comecei a fazer teatro, confrontei-me pela primeira vez com traumas da personagem que eu própria tinha, coisas da adolescência, e aí surgiram os conflitos. Comecei a perceber que poderia haver alguém que me ajudasse a equilibrar isto e tudo surgiu naturalmente. Já faço há muitos anos e diverte-me muito.
– Só recentemente é que se começou a falar de terapia com mais naturalidade…
– No caso dos atores, acho que a terapia é um exercício às nossas ferramentas emocionais. Acho que graças a Deus começam a perder-se tabus e as pessoas deixam de fazer juízos de valor em relação àquilo que os outros são. É muito importante o ator focar-se no seu lado emocional. Por exemplo: nas fotografias que tirámos hoje eu fico sempre meio insegura, porque não sou modelo e estou sempre a pedir ao meu anjinho para me proteger, mas faz parte e temos de saber lidar com todas as situações.
– Quando fala no seu anjinho, pensa no seu bebé?
– Todos nós temos um anjo da guarda e todos temos bênçãos divinas e mais não digo [risos].
– O que lhe traz a chegada aos 40?
– Serenidade, orgulho em mim. Acho que se começa a ganhar uma consciência de quem somos e em que estamos a transformar-nos. Às pessoas que se queixam muito, acontece-lhes tudo. Eu acredito no valor da palavra. A palavra tem muita força e é preciso ter muito cuidado com o que dizemos. Devemos puxar as coisas boas, porque elas vêm. E como eu pretendo ser feliz, estar de bem com o mundo e não perder a minha loucura, penso sempre positivo.
– Saíram notícias de que teria sido indemnizada pelo tiro que levou no pé. Esse capítulo ficou finalmente fechado?
– Ainda não. Saiu a sentença, mas isso não quer dizer que ela se vá cumprir.
– Que tem a dizer sobre toda a polémica que a família Espírito Santo está a viver…
– Este é um momento triste, complicado, e que tento passar com fé e com os valores que me foram incutidos. As pessoas têm tendência para misturar tudo e toda a gente e isso é um erro. Tenho a sorte de ter nascido no ramo que nasci, com os melhores valores do mundo, e nada abala isso. O resto é rezar e ter fé, porque é um momento triste e complicado para muitos portugueses.
Ana Brito e Cunha e a perda do seu bebé: “Há dores incontornáveis, mas que também nos fazem crescer”
Ana faz terapia há cerca de uma década e garante que conhecer-se a si própria e ter a coragem de explorar algumas camadas e sentimentos escondidos a tem ajudado a seguir um caminho que acredita ser mais benéfico. Sem planos no campo amoroso, diz que gostava de envelhecer com uma família criada por si.
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