Nathalie Pires tem estado a viver uma espécie de sonho americano ao contrário. Filha de pais emigrados, nasceu há 30 anos em Perth Amboy, no Estado de New Jersey, onde ainda vive, e foi lá que se apaixonou pelo fado. Mas é em Portugal que quer triunfar e conquistar o público com a sua voz cristalina e o seu jeito muito próprio de dizer o que lhe vai na alma. Numa pausa entre concertos, conversámos com a fadista luso-americana, que está de passagem pelo nosso país para dar a conhecer o seu talento com uma participação no festival de fado Caixa Alfama.
– Foi a Nathalie que escolheu o fado ou foi o fado que a escolheu a si?
Nathalie Pires – Acho que foi o fado que me escolheu a mim [risos]. Desde muito pequena que os meus pais me levavam às noites de fado nas comunidades portuguesas. Eu já gostava muito de cantar, mas nessa altura ainda era muito nova para entender a magia do fado. O meu pai é músico e costumava tocar e cantar em casamentos e batizados e eu andava sempre com ele. Até que uma vez, quando tinha 13 anos, convidaram-me para cantar e eu ensaiei três fados da Amália. Correu muito bem! A partir daí, nunca mais parei.
– Quem são as suas grandes referências?
– A Amália Rodrigues, sem dúvida, é a principal. Depois, fui conhecendo a Hermínia Silva, a Beatriz da Conceição, o Carlos do Carmo… O fado tem estado em constante evolução e agora há fadistas mais novos que também me agradam bastante.
– Como é que o público português a tem recebido?
– Muito bem. Confesso que estava um bocado nervosa, pois não sabia se as pessoas iriam entender o meu percurso. Mas sinto que o público está curioso…
– Somos um público muito diferente do público americano?
– Sim, completamente. Sinto muito orgulho em cantar poemas de autores portugueses, mas o público americano acaba por perder a letra. Faço os possíveis para lhes transmitir a mensagem, mas não é a mesma coisa. Tenho pena… Só mesmo com os portugueses é que consigo fazer com que o fado aconteça.
– Como é que foi a sua infância em New Jersey?
– Apesar de ter nascido lá, sempre me senti uma portuguesa a viver nos Estados Unidos. A minha primeira língua foi o português, só quando entrei na escola é que comecei a falar inglês. A minha família é do distrito de Aveiro e costumávamos vir passar férias a Portugal com muita frequência. Aos quatro anos falava um português perfeito. Depois, aos sete, comecei a dar prioridade ao inglês, até que a minha mãe me obrigou a falar com ela só em português.
– Que características herdou da sua costela portuguesa e do lado americano?
– Gostava de ser mais frontal como os americanos e de aprender a viver mais o momento. Estou sempre preocupada com o amanhã… Os portugueses são mais dados e os americanos mais desconfiados. Nesse aspeto, sou muito portuguesa!
– Além de cantar fado, também é contabilista…
– Sim, sou diretora financeira numa empresa de construção civil. Tenho uma espécie de vida dupla! [risos]
– Até onde quer ir neste mundo do fado?
– Estou muito feliz com tudo o que já conquistei até agora. Não tenho grandes planos. O que eu gosto mesmo é de cantar!
– Fixar-se definitivamente em Portugal não faz parte dos seus planos?
– Todos os dias penso nisso. Adoro Lisboa, o sol, a luz… Aqui entra-se numa padaria e as pessoas cumprimentam-nos com um sorriso. Isso na América
não acontece. Nesta cidade respira-se fado! Portanto, essa hipótese não está completamente fora de causa.
– O seu marido também é português. Como é que se conheceram?
– Além de mim, ele era o único português na universidade onde estávamos a estudar. Mas só no último ano do curso é que descobrimos que tínhamos os dois a mesma nacionalidade, pois sempre pensei que ele fosse colombiano ou algo do género. [risos]
– Quais são as suas maiores inseguranças?
– Ui, tenho tantas… É uma responsabilidade enorme trazer o meu fado para Portugal. Estou rodeada pelos melhores músicos, tenho uma equipa que me apoia a cem por cento e que acredita em mim. Quero mostrar-lhes que mereço toda essa dedicação e confiança. Na véspera dos concertos passo horas sem conseguir dormir, pois quero que tudo corra na perfeição. Sofro muito por antecipação!
– E o que é que a faz dar uma boa gargalhada?
– Qualquer coisa, sou de riso fácil! Gosto muito de sair, de fazer novas amizades.
– A vida tem-lhe sorrido, portanto?
– Sim, sem dúvida. Não tenho qualquer razão de queixa… Tenho-me sentido uma privilegiada, pois faço aquilo de que mais gosto e tenho uma família que tem estado sempre ao meu lado. O meu marido, por exemplo, tem sido o meu maior impulsionador.