Basta uma simples conversa com Filomena Cautela, de 32 anos, para se perceber que é na vida o que aparenta ser na televisão: uma mulher espontânea, divertida e sem ‘papas na língua’. Perspicaz e com um sentido de humor acutilante, a apresentadora e atriz aprendeu a não se levar demasiado a sério, sendo constantes as piadas que faz sobre si própria, mesmo no meio de uma conversa em que o gravador está ligado. Contudo, quando se trata de trabalho, a cara da nova temporada do programa 5 Para a Meia-Noite, da RTP1, não deixa nada ao acaso, preparando-se o melhor que sabe e pode para corresponder às expectativas de quem nela acredita. Descrita como uma mulher rebelde e irreverente, Filomena deixa cair por terra todos esses rótulos, assumindo-se apenas como alguém que diz o que pensa e que tem como missão partilhar com o público assuntos que considera pertinentes.
Numa conversa sem filtros, como seria de esperar, a apresentadora e atriz revelou estar de bem com a vida, sentindo-se realizada com as escolhas que tem feito.
– Ter sido escolhida para ser a cara deste novo 5 Para a Meia-Noite é uma grande responsabilidade…
Filomena Cautela – É, até porque foi um risco que a RTP correu e que é muito atípico na sociedade em que vivemos. Não me lembro de nenhum talk-show em Portugal apresentado por uma mulher. Por isso, tento sempre corresponder às expectativas que têm em relação a mim. Além disso, o 5 Para a Meia-Noite é um programa que já tem vários anos e por onde já passaram muitos colegas que admiro profundamente e de quem gosto. Não os quero dececionar e procuro manter o seu legado vivo. Faço o meu trabalho da forma mais competente possível.
– Hoje é uma apresentadora muito diferente daquela que começou a conduzir este programa há sete anos?
– Sim, sou. Acho mesmo que este programa é um dos mais difíceis de se fazer na televisão portuguesa. Há um trabalho criativo extenuante para conquistar um público a quem não é fácil agradar. Gostava de manter a rebeldia e a frescura que tinha no início…
– Mas não sente vontade de fazer outros formatos, talvez mais mainstream? Ou acha que já só se encaixa na definição de apresentadora mais alternativa?
– Gosto muito do programa que estou a fazer, porque é sempre desafiante, mas também tenho vontade de fazer outros formatos. Não sei bem o que quer dizer mais mainstream, até porque já fiz coisas muito diferentes. Acho mesmo que os lugares de apresentadora e de atriz se encontram em muitos pontos e a minha vontade de experimentar novos programas tem que ver com isso. E o facto de ter o carimbo de apresentadora mais alternativa ainda torna tudo mais desafiante.
– E revê-se nessa definição de ‘apresentadora mais alternativa’?
– Não sou uma pessoa muito formatada. Não me lembro de nenhum programa em que me tenha sentado, lido o teleponto e já está. Não sou assim. Gosto de dar um cunho pessoal ao que faço. Tenho a preocupação de partilhar com o público o que considero realmente importante e pertinente. Acho que as pessoas me veem como alguém rebelde e irreverente, porque não estão muito habituadas a ver mulheres com opinião na televisão, que dizem coisas além do teleponto. Aqui, ainda não temos muito o hábito de as pessoas dizerem aquilo que sentem e pensam de forma livre. E qualquer coisa que se aproxime disso já é um ato de rebeldia.
– Mas numa entrevista que nos deu, em 2012, disse-nos que estava cada vez mais rebelde…
– Neste momento, tenho uma visão do mundo muito pessimista. Acho que estamos numa altura difícil. As redes sociais vieram democratizar a liberdade de expressão e cada pessoa tem o seu palco. E se as figuras públicas, e em Portugal somos poucas, se preocuparem apenas com narcisismos e superficialidades, se isso for a única coisa que partilham com o público, quem é que, então, podem ser as pessoas realmente influentes? Que referências é que o público vai ter?
– Quer ser uma dessas referências?
– Não quero ser uma referência de nada nem de ninguém, mas gosto de pensar que quem me ouve pode mudar o seu ponto de vista em determinada questão ou, pelo menos, duvidar da sua certeza. Quando uma pessoa tem uma dúvida, quer descobrir mais. Quando tem certezas, não faz nada. E é esta atitude que falta ao nosso país e ao mundo. Para mim, essa condição de espicaçar a curiosidade é uma inevitabilidade do meu trabalho. Quando as pessoas nos ouvem, devemos procurar dizer algumas coisas fora do comum e que não sejam trivialidades.
– Paga um preço demasiado alto por ser uma pessoa livre?
– Acho que nunca somos realmente livres em relação àquilo que dizemos e fazemos. O preço que pago por isso é dizerem que sou irreverente e rebelde, mas nunca me senti discriminada por isso. Nunca tive problemas desse género.
– Por vezes tem sido associada ao feminismo, por ser uma mulher que se destacou entre os homens. Nesse campo, gosta de ser vista como um exemplo?
– Não represento feminismo nenhum, até porque esta noção de feminismo que está na moda faz-me um bocadinho de espécie. O feminismo é uma palavra com uma carga histórica muito grande e que está associada a um movimento que tem de ser muito bem estudado. Sou, sim, uma pessoa que se interessa pelos assuntos relacionados com a igualdade de género. Se tivesse ficado um homem a fazer este programa, ninguém lhe iria perguntar se era um representante dos homens. Mas como é uma mulher, há logo essa associação.
– E pensar fora da caixa foi algo estimulado desde a sua infância ou construiu por si mesma a mulher que é hoje?
– Somos sempre o resultado da nossa educação. Esta minha atitude tem muito que ver com os meus pais e a liberdade que sempre me deram em casa. Nunca me contentei com as coisas fáceis.
– Tenta fugir da rotina e dos lugares comuns? Ou sabe ser feliz com as pequenas coisas do dia-a-dia?
– Sim, sou feliz com as pequenas coisas do dia-a-dia. Acho bem que as pessoas partilhem nas redes sociais as coisas magníficas que fazem, como aquela viagem a um sítio maravilhoso, por exemplo. Mas, no meu caso, se num dia de chuva me derem um sofá, um livro e o meu cão, fico muito feliz! E com a miséria que há, como tudo o que está a acontecer na Síria, em que as pessoas saem das suas casas com os filhos numa mão e nada na outra, ainda mais valorizo a simplicidade do que tenho. A simplicidade é completamente subestimada. Todos nos devemos questionar sobre o que é realmente importante para nós. Se todas as pessoas respondessem com alguma honestidade a esta pergunta, o mundo seria diferente.
– Ao longo de todos estes anos, tem reservado sempre a sua vida pessoal. Incomoda-a falar sobre isso?
– Muitas figuras públicas abrem essa porta e depois não podem ficar chocadas quando há uma capa menos feliz sobre elas. Sempre quis manter essa porta fechada. O que me interessa partilhar é o que faço profissionalmente. Se tivermos, como artistas, muitas coisas interessantes para partilhar, talvez não fiquem tão curiosos com a nossa vida pessoal.
– Acabou de fazer 32 anos. A entrada nos 30 mudou-a? Ou acha que essa ideia de que é uma fase de grande mudança é só um cliché?
– Dos 25 para os 30 há mesmo uma mudança muito grande. Não é um cliché! Sinto que a história da minha vida começa a pesar e dei por mim a pensar no caminho que quero realmente fazer. Percebi que já não posso adiar sonhos e concretizações, porque o tempo passa a correr.
Veja o ‘making of’ da produção fotográfica: