O sorriso diz tudo. Sofia Ribeiro está de volta, “cheia de força e com vontade de agarrar a vida.” Uma vida que ficou em suspenso quando, a 13 de novembro de 2015, soube que tinha cancro da mama. Uma notícia avassaladora, à qual se seguiram uma série de exames, inúmeras sessões de quimioterapia, um mês de radioterapia, três cirurgias, injeções para estimular a ovulação… Rapar o cabelo foi uma consequência inevitável, foi o confrontar-se com a doença. Seguiu-se a debilidade física, mas o maior choque foi saber que poderá não vir a concretizar o seu grande sonho: ser mãe. Apesar de tudo, a atriz, de 32 anos, nunca baixou os braços. Foi à luta. Mesmo com dias maus, tinha a certeza de que ia superar a batalha. Nove meses depois terminou os tratamentos. Chegava a hora de retomar a sua vida, recuperar rotinas e redescobrir-se. Sofia Ribeiro é hoje uma mulher diferente, que quer viver um dia de cada vez. O cancro, esse, não vai, como diz, “ter coragem de se meter comigo novamente.” Numa conversa carregada de emoção, começámos precisamente pelo hoje, o agora.
– É um presente cheio de vida?
– Estou, sem dúvida, cheia de vontade de viver, de fazer coisas, de experienciar, de desfrutar. Estou muito feliz e muito bem por estar aqui hoje, por exemplo.
– As pessoas que já passaram com sucesso por um cancro dizem que há um antes e um depois da doença.
– Indiscutivelmente, não há como não haver. Esta é uma fase muito mais tranquila, serena, de bem com a vida. A querer desfrutar dela, a querer vivê-la de forma mais plena.
– O que é que mudou em concreto?
– Sou a mesma, a minha essência também, mas não me ponho em situações que me incomodem. É tudo mais simples. Qualquer coisa que antigamente me causasse um grande stress, hoje não alimento.
– Como é que recebeu a feliz notícia de que tinha ultrapassado esta fase com sucesso?
– Dizer que estou curada é um termo forte, porque é tudo muito recente, mas para mim estou. O cancro não vai ter coragem de se meter comigo outra vez, acho que ele não seria maluco [risos]. Mas os próximos cinco anos são, de facto, muito importantes e determinantes na vida de quem passa por isto.
– Lembra-se das palavras do médico?
– Perfeitamente. Disse-me: “Agora pode voltar à sua vida e tentar vivê-la da forma que a Sofia espera.” Perguntei: “Posso? Mas posso mesmo recuperar a minha vida? Passou?” Não há palavras para descrever o que senti.
– Alguma vez achou que não recuperaria?
– Uma vez, logo no início.
– Teve medo de morrer?
– No início, quando soube da notícia e quando vi a aflição e o medo nos olhos dos ‘meus’ passou-me tudo pela cabeça e, não sabendo concretamente como é que estava a minha situação, levantei várias questões. Mas o facto de me ter deparado com a possibilidade de morte quando é uma coisa menos esperada deu-me ainda mais vida.
– Deve ser um choque perceber que a finitude é afinal uma realidade que pode estar perto…
– É. Felizmente o meu cancro não era dos mais graves, foi detetado a tempo e dou graças a Deus.
– Quais foram os momentos de maior dor em todo o processo?
– A notícia é um choque. Achamo-nos todos um bocadinho invencíveis, andamos a correr para todo o lado sem termos a noção do que realmente importa. É assustador percebermos que queremos ainda viver o mundo e que isso pode não vir a acontecer. Por isso, sem dúvida, esse momento será sempre marcante na minha vida e nas dos que me amam.
– Mas não deve ter sido o único…
– Não, não foi. Dizerem-me que havia a possibilidade de ficar infértil pela agressividade dos tratamentos de quimioterapia foi um choque. Foi provavelmente o dia em que me fui mais abaixo. Já não bastava ser tão mau, e se eu ficasse boa ainda havia a possibilidade de não concretizar um dos maiores sonhos da minha vida. Depois de chorar, espernear, tomei consciência de que não adianta poder ter 20 filhos se não tiver saúde. Felizmente há um número pequeno de mulheres a quem isso acontece e eu não vou fazer parte desse grupo, e se fizer, há alternativas. Portanto vou ser mãe seja de que forma for, é indiscutível.
– Rapar o cabelo foi o confrontar-se com a doença?
– Sim, estamos doentes e isso é um sintoma. Muitas vezes foi difícil gerir as mudanças físicas, que são abissais. De repente acorda-se e não há cabelo nenhum, não há um pelo, não há pestanas. A nossa cara está transformada, a nossa cor já não é a mesma. Vemo-nos ao espelho e é o despir daquilo que somos, da forma como nos vemos, de como os outros nos veem.
– E debater-se com a debilidade física…
– Foi das coisas que mais me revoltou. Sentir que tinha vontade de ir correr e não me conseguir mexer. Perceber que não comandamos nada mesmo que tenhamos muita vontade é angustiante.
– Alguma vez sentiu que olhavam para si com pena?
– Sou uma sortuda, porque a maior parte das pessoas foi muito querida, doce e generosa. Uma das coisas boas que esta experiência trouxe à minha vida foi o conhecer, num tão curto espaço de tempo, tanta gente maravilhosa. Olhares de pena só senti umas duas vezes, mas até com isso lidei bem.
– Foi uma opção não se esconder, aliás, partilhou até, nas redes sociais, o momento em que rapou o cabelo.
– Sim, foi uma opção minha não usar perucas, não usar gorros, nem lenços, porque não me sentia bem com isso. Partilhar tornou-se uma forma de relativizar o problema, era quase uma forma inconsciente de ganhar energia. E, depois, sentia que ajudava muitas pessoas e grande parte delas não faz ideia o quão foram importantes na minha vida. Foi uma troca de coração.
– É nestas alturas que percebemos quem são realmente os nossos amigos, os que nos amam?
– E os que não nos amam também [risos]. Soube desde o início quem eram as pessoas com quem eu poderia contar. Houve surpresas maravilhosas por parte de pessoas de quem não esperamos nada, que se mostraram de uma grande generosidade e de uma luz maior. Depois, obviamente, tive desilusões, mas que não tiveram expressão na minha vida. O meu objetivo maior era ficar boa o quanto antes e tudo o que estivesse à minha volta que não fosse de coração, com verdade e que não fosse puro, eu própria não queria por perto. Agora tenho ainda mais certeza de que os meus amigos são especiais, pessoas incríveis que me amam e que sabem que eu os amo muito também.
– Dir-se-ia que às vezes temos de passar por provações para dar valor ao que temos, à vida…
– O ideal era não passarmos, mas talvez eu precisasse de levar um abanão, não sei. Não acredito que estas coisas aconteçam na nossa vida porque merecemos, mas acredito no meu Deus e, às vezes, a vida coloca-nos no caminho obstáculos para despertarmos para um sem fim de coisas para as quais já estávamos atentos, mas que que não víamos com olhos de ver. Mas nunca questionei porque estava a acontecer comigo, fui resiliente, aceitei e não baixei os braços. Costumo dizer que o cancro veio à minha vida como uma coisa incrível. Há pessoas que ficam chocadas quando digo isto, mas é a mais pura das verdades. O cancro trouxe-me mais coisas boas do que más. Uma delas foi sentir-me numa peneira que só deixou o que era importante, bom de coração e genuíno. Tudo o que não prestava foi embora e que bom que foi.
– Olhando para o passado, alterava alguma coisa? Acha que teria sido mais ponderada, por exemplo, em relação ao seu divórcio [de Ruben Rua]?
– Para mim o passado é museu, a minha vida é para a frente. Não sou de ficar a pensar se deveria ou não ter feito alguma coisa, ou se faria de forma diferente. Os erros do passado ajudam-me a corrigir e não voltar a repetir. A vida é uma constante aprendizagem. Quanto ao divórcio, está muito bem resolvido. O Ruben será sempre uma pessoa muito importante na minha vida como eu sou na dele. O nosso casamento e o nosso divórcio foram também uma aprendizagem enorme e tenho a certeza de que termos passado por isso faz muito do que somos hoje.
– O que espera para 2017?
– 2016 foi duríssimo, mas muito bonito. Foi o ano mais importante da minha vida. Foi maioritariamente um ano cheio de amor, de aprendizagem e valores. Quando penso nos meus desejos para o ano, peço muita saúde para mim e para os que me amam.
Veja o vídeo de ‘making of’ da sessão fotográfica que acompanha esta entrevista: