Há um ano escolheram ficar num país em guerra, depois de ter sido invadido pela Rússia, e desde então Volodymyr Zelensky e a mulher, Olena, têm sido a cara da resistência heroica de um povo que não se deixa vencer. Multiplicam-se em contactos, fazem intervenções públicas, encontram-se com líderes internacionais e dão entrevistas. Mas regressam sempre ao seu país, onde também continuam os filhos, Oleksandra, de 18 anos, e Kyrylo, de dez, sabendo que todos os dias dormem num bunker diferente, rodeados da maior segurança. E separados: ela com os filhos, ele com a equipa mais próxima. Tentam encontrar-se os dois uma vez por semana, quando é possível, por vezes têm encontros de trabalho, mas nunca mais partilharam o dia a dia ou foram uma família normal. E não fingem que é uma situação fácil, apenas escolheram seguir em frente porque sentem que não há outro caminho.
“Tentamos apoiar-nos mutuamente, mas receio que o meu marido me ajude mais do que eu o apoio a ele.” (Olena)
Cientes de que uma grande parte da população ucraniana enfrenta situações muito mais dramáticas, tendo muitos perdido a família e todos os bens, Volodymyr e Olena evitam queixar-se e nunca se lamentam, mas na conferência de imprensa que deu em Kiev no dia em que se assinalou um ano de guerra, 24 de fevereiro, o presidente ucraniano não conseguiu evitar emocionar-se quando se referiu à família. “Amo-os. À minha mulher, com todo o coração. Aos meus filhos, que são as pessoas mais importantes para mim, mas não os vejo com frequência. E os meus pais não vejo de todo”, explicou, comovido, continuando: “Estou orgulhoso da minha mulher, ela faz tudo o que pode. Eu sei o tipo de pessoa que ela é, faz tudo pelo bem das crianças e do país.” Rapidamente recomposto, não resistiu a usar o seu habitual sentido de humor para rematar: “Quem me dera que ela fizesse um pouco pelo meu bem. Estou a brincar, é claro que faz.”
Dias antes fora a vez de Olena desabafar, numa entrevista ao programa Espejo Público, do canal espanhol Antena 3: “Há um ano que não vivemos juntos. Os encontros são curtos e isso esgota-nos. Podemos comunicar por telefone e por vezes encontramo-nos para resolver questões de trabalho, mas as crianças não têm tanta sorte e veem-no ainda menos. E quando se veem são encontros curtos e a contrarrelógio.” Mas concluiu, determinada: “Não vou queixar-me, isto não é o pior que pode acontecer a alguém em tempos de guerra.”
“Há um ano que não vivemos juntos. Os encontros são curtos e isso esgota-nos. (…) As crianças não têm tanta sorte e veem-no ainda menos.” (Olena)
A resiliência tem sido uma característica da primeira-dama, à semelhança do marido, e no dia em que passava um ano sobre a ocupação russa Olena publicou um vídeo em que dizia: “Hoje não estamos a comemorar um ano de guerra, mas estamos a celebrar um ano de resistência à agressão, um ano de coragem. Um ano de guerra em grande escala é uma data terrível, porque é um ano de ataques, agressões e assassínios. Um ano de inferno em que a Ucrânia se viu envolvida por causa das ações invasivas da Rússia. Portanto, hoje não estamos a comemorar um ano de guerra, mas estamos a celebrar um ano de resistência à agressão, um ano de coragem, um ano de assistência mútua e resgate uns dos outros, um ano de humanidade e um ano de amizade (…). Ao longo deste ano, [os ucranianos] tornaram-se a nossa segunda casa, o nosso refúgio, a nossa família.”
“Os meus filhos são as pessoas mais importantes para mim, mas não os vejo com frequência.” (Volodymyr)
A solidariedade para com a população ucraniana tem dominado o discurso da primeira-dama, e na referida entrevista à televisão espanhola sublinhou que, para lá dos inevitáveis horrores da guerra, a preocupa especialmente a saúde mental das crianças. “Uma das dores mais insuportáveis que sentimos é a influência da guerra na saúde mental das crianças, para além dos que morreram e ficaram feridos. O nosso maior desejo é que a geração destas crianças não se torne a geração da guerra, mas a da vitória. Devemos devolver-lhes a fé na vida.” Uma fé que ela própria se esforça por manter, assumindo que não consegue encontrar as palavras certas para descrever o impacto que a guerra tem nela: “É tudo demasiado traumático. É difícil descrevê-lo em poucas palavras, é uma mescla de emoções aquilo que todos os ucranianos sentimos.”
Sabendo que tanto ela como o marido e os filhos são dos principais objetivos militares dos agressores, diz, na mesma entrevista, que prefere nem pensar nisso, e ressalva: “Creio que na Ucrânia todos estão em risco. Tento não pensar nos perigos, temos de ter esperança em algo melhor, prefiro pensar no futuro que estamos a construir. Penso muitas vezes que no primeiro dia em que não houver guerra gostaria de me pôr ao volante e conduzir livremente, sem pensar nos perigos nem em quanto tempo estou a gastar. Quem sabe o meu sonho se torne realidade…”
Numa outra entrevista, à revista alemã Zeit, também a pretexto de um balanço sobre o primeiro ano de guerra, volta a falar do marido, dizendo: “Tentamos apoiar-nos mutuamente, mas receio que ele me ajude mais do que eu o apoio a ele. Ele dá-me força quando me sinto assustada ou nervosa. Diz-me que sou capaz. Quero agradecer-lhe por isso e espero realmente que nada lhe aconteça e que eu possa continuar a agradecer-lhe.” E acrescenta que quando falam ao telefone nem sabe dizer se depois se sente melhor: “Ele mudou muito. Antes ficava tão feliz de o fazer rir. Costumávamos rir-nos tantas vezes…” Uma angústia que, por enquanto, não parece ter fim à vista.