Eram 10h30 em Madrid quando, no passado dia 2, o chefe do governo espanhol, Mariano Rajoy, anunciou, numa conferência de imprensa convocada de urgência, que o rei Juan Carlos acabava de lhe entregar o seu ato de abdicação. Uma hora e pouco mais tarde, o próprio Juan Carlos explicou ao país os motivos que o levaram a dar este passo. Sentado à secretária do seu escritório no Palácio da Zarzuela, o monarca mostrou-se sereno e convicto da sua decisão, amadurecida desde janeiro, quando completou 76 anos, de deixar “passar à primeira linha uma geração mais jovem, com novas energias, decidida a empreender com determinação as transformações e reformas que a conjuntura atual exige e a enfrentar com renovada intensidade e dedicação os desafios de amanhã”, mas não conseguiu evitar uma ligeira tremura de voz quando, a concluir o discurso, declarou: “Guardo e guardarei sempre a Espanha no mais fundo do meu coração”.
Enfatizando que quer o melhor para Espanha – à qual, como lembrou, dedicou a sua vida inteira –, Juan Carlos deixou claro: “O meu filho Felipe, herdeiro da Coroa, encarna a estabilidade, que é a marca de identidade da instituição monárquica. (…) O príncipe das Astúrias tem a maturidade, a preparação e o sentido de responsabilidade necessários para assumir com plenas garantias a chefia do Estado e abrir uma nova etapa de esperança em que se combinem a experiência adquirida e o impulso de uma nova geração. E contará para isso, estou certo, com o apoio que sempre terá da princesa Letizia”.
Agradecendo ao povo espanhol e a todas as pessoas que o ajudaram a fazer do seu reinado, “iniciado em plena juventude, e em momentos de grandes incertezas e dificuldades, um longo período de paz, liberdade, estabilidade, e progresso”, nesta hora de despedida o soberano destacou o papel da rainha Sofía, “cuja colaboração e generoso apoio nunca me faltaram”.
Filho de D. Juan e D. Maria de las Mercedes de Borbón, condes de Barcelona e herdeiros do trono de Espanha à data da proclamação da Segunda República, que em 1931 depôs o avô do atual rei, Alfonso XIII, Juan Carlos nasceu a 5 de janeiro de 1938 em Roma, onde a família real de Espanha estava exilada, e não fora o facto de o general Francisco Franco ter assumido o poder, em 1936, e as probabilidades de um dia vir a reinar eram, por isso, muito reduzidas. Acontece que Franco, comportando-se como um monarca, decidiu a sua descendência em vida, aprovando em 1947 uma lei que fazia do príncipe seu sucessor e assegurando que ele era devidamente preparado para o papel: Juan Carlos tinha apenas dez anos quando foi separado da família para prosseguir os estudos e formação militar em Espanha, sob a tutela de Franco. O ditador, que nunca teve uma relação fácil com o conde de Barcelona, que acusava de liberal, ignorou ostensivamente os direitos dinásticos daquele e, a 22 de julho de 1969, por proposta do general, as Cortes designaram oficialmente Juan Carlos sucessor na Chefia de Estado, com o título de rei. No dia seguinte, o neto de Alfonso XIII prestou juramento e recebeu o título de príncipe de Espanha.
A 22 de novembro de 1975, dois dias depois da morte de Franco, as Cortes proclamaram Juan Carlos rei. Na sua primeira mensagem à nação, este deixou claro que pretendia restabelecer a democracia. E assim foi. O monarca teve um papel fundamental na transição da ditadura para a democracia, nomeadamente através da aprovação da Constituição de 1978, e foi determinante na contenção da tentativa de golpe de Estado de fevereiro de 1981, o que lhe valeu a admiração tanto nacional como internacionalmente.
Nos últimos anos, porém, a popularidade do rei foi sucessivamente abalada por ‘sismos’ que provocaram estragos, nomeadamente o escândalo financeiro em que o seu genro Iñaki Urdangarín é um dos principais arguidos. Apesar de ter afastado Iñaki da Casa Real, Juan Carlos não conseguiu evitar que a sua filha Cristina fosse envolvida e abrisse o precedente de ser o primeiro membro da família a ser ouvido em tribunal. Pelo meio, e em plena crise económica, houve a caçada ao elefante no Botswana em 2012 (o rei era presidente honorário da instituição de defesa da vida animal World Wild Foundation). Esta viagem de custos astronómicos, que se tornou pública porque o rei deu uma queda e fez uma fratura na anca que já o obrigou a várias intervenções cirúrgicas, teve ainda o inconveniente de trazer a lume um assunto delicado: a presença da princesa Corinna zu Sayn-Wittgenstein, com a qual o rei manteria uma relação extraconjugal há alguns anos.
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